sábado, 16 de junho de 2007

Gandhi - Demi


Mohandas Karamchand Gandhi nasceu em Porbandar, na Índia, a 2 de Outubro de 1869. O pai era primeiro-ministro na corte do príncipe local. A mãe, mulher devota, deu aos filhos uma educação religiosa. A religião da família era uma combinação de Hinduísmo e de Jainismo.

Gandhi cresceu a acreditar na doutrina do karma, segundo a qual devemos rezar, ser disciplinados, honestos e parcimoniosos, a fim de conservarmos a alma pura.

Quando tinha treze anos, casou-se, segundo a tradição hindu, com Kasturbai Makanji, uma linda rapariga da mesma idade, dotada de grandes qualidades, como a paciência, a força e a coragem.

Quanto a Gandhi, era de baixa estatura, tímido, e tinha medo de várias coisas, entre as quais as serpentes, os fantasmas e a escuridão. Kasturbai ria-se com ternura do marido, por este ter de dormir com a luz acesa.

Gandhi sentia-se diferente das outras pessoas. Aluno fraco: terminou o liceu com dificuldade e teve más notas na faculdade. Em 1888, instado pelo tio, deixou a mulher na Índia e foi para Londres estudar Direito. Durante muito tempo, sentiu-se completamente só, um estrangeiro em terra alheia. A fim de se sentir mais confiante, decidiu transformar-se num autêntico cavalheiro inglês. Vivia num apartamento selecto e vestia roupas elegantes. Aprendeu a falar um inglês perfeito, teve aulas de violino e aprendeu até a dançar o fox-trot.

Mas não era feliz. Sentia que um fosso enorme separava o seu ser interior da sua aparência exterior. Tentou então recuperar a sua herança jainista: abandonou o apartamento selecto, passou a cozinhar as suas próprias refeições, a andar a pé em vez de tomar transportes, e aderiu à Sociedade Vegetariana de Londres. A sua nova independência fê-lo sentir-se mais feliz, embora continuasse desajeitado e tímido.

Tirou finalmente o curso e regressou à Índia, três anos depois de ter chegado a Londres.

De regresso a casa, soube que a mãe tinha morrido.

Gandhi abriu um escritório de advocacia em Bombaim, decidido a triunfar na vida profissional. Mas a sua timidez desajeitada impedia-o de falar em público e foi humilhado com frequência.

Como o irmão de Gandhi conhecia uma firma de advogados na África do Sul que precisava de um sócio, Gandhi, acompanhado pela mulher, deixou a Índia em 1893. De novo estrangeiro em terra alheia, experimentou o racismo na própria pele. A sua cor fazia dele um alvo de desprezo e de maus-tratos físicos por parte dos brancos sul-africanos. O trabalho no escritório era duro mas, em vez de desistir e de abandonar aquele país hostil, Gandhi decidiu mudar-se a SI MESMO, a fim de enfrentar os desafios que lhe eram colocados.

Através da auto-disciplina e da concentração, conseguiu atingir os seus objectivos e compreendeu que o verdadeiro exercício do Direito consiste em procurar o lado melhor da natureza humana e penetrar nos corações dos homens. Começou a encarar todas as dificuldades como formas de melhor servir os outros, atitude que viria a tornar-se o segredo do seu sucesso durante o resto da vida.

Numa noite de Inverno, Gandhi viajava de comboio, em negócios, numa carruagem de primeira classe. Um passageiro branco insistiu que Gandhi viajasse em terceira classe. Gandhi recusou, e o revisor atirou-o para fora do comboio. No meio de parte alguma, rodeado de escuridão e cheio de frio, Gandhi reflectiu sobre a profunda e dolorosa doença do preconceito.

Pouco depois da sua experiência no comboio, criou a teoria da satyagraha, que quer dizer “a força do amor”. Escreveu: A força do amor exercida através da paz triunfa sempre sobre a violência. Empenhou-se em extirpar a doença do preconceito, sem nunca ceder à violência e sem nunca exercer violência sobre os outros, e prometeu trazer a paz do Céu para a Terra.

No início do século XX, a África do Sul estava dividida em quatro colónias britânicas distintas: a Colónia do Cabo, o Natal, o Estado Livre de Orange e o Transval. A 22 de Agosto de 1906, o governo do Transval promulgou a Lei dos Negros, que privava os negros e os indianos dos seus direitos cívicos. Em resposta a esta lei, Gandhi formou o primeiro movimento não-violento de resistência de massas. Mais de quinhentas pessoas participaram neste movimento de desobediência civil.

Gandhi e os seus apoiantes lutaram pelos direitos de negros e indianos, bem como pelos direitos das mulheres. Prestou apoio jurídico gratuito e ajudou pessoas que viviam em condições desesperadas. Tratou de pessoas doentes, que tinham sido abandonadas durante uma epidemia, fez curativos a leprosos e reconfortou os moribundos. Costumava dizer:

— Estas pessoas são meus irmãos e irmãs. O seu sofrimento é o meu sofrimento. A minha família é o mundo inteiro.

Gandhi acreditava profundamente nos ensinamentos de um dos livros sagrados hindus, o Bhagavad-Gītā. Meditava várias vezes ao dia e tentava enfraquecer os seus desejos egoístas através do amor aos outros e do amor ao “Senhor do Amor”. Tentava não sentir raiva, para que esta não tolhesse o seu discernimento. Ao acreditar no poder do amor e ao tratar todas as pessoas como se fossem membros da sua própria família, Gandhi descobriu que deixara de sentir timidez e que não tinha medo de coisa alguma.

Tanto ele como os seus seguidores agiam no sentido de aceitar de igual maneira as coisas boas e más da vida, de receber os desafios com humildade e mansidão, e de trazer a harmonia ao mundo.

Gandhi regressou à Índia em 1915, acompanhado pela mulher e pelos quatro filhos. Começou a lutar para libertar a Índia do sistema preconceituoso de castas que dividia a sociedade em quatro classes. Os sacerdotes ocupavam o topo da pirâmide social, seguidos pelos príncipes e pelos militares que, por sua vez, se encontravam no patamar acima dos trabalhadores. Os pobres ─ os “intocáveis” ─ ocupavam o nível mais baixo da pirâmide. Gandhi chamava-lhes “filhos de Deus” e estava decidido a libertá-los do seu estigma.

Também se empenhou em libertar a Índia do domínio britânico. Durante trezentos anos, vários milhares de Britânicos tinham governado mais de trezentos milhões de Indianos. Gandhi dirigia-se às multidões e pedia-lhes que pusessem a satyagraha em prática, ou seja, o amor altruísta pelos outros. Os Indianos deixaram de colaborar com os Britânicos e muitos foram presos. Muitos outros começaram a confeccionar as suas próprias roupas, para não terem de comprar tecidos britânicos. A túnica branca de fiação caseira chamada khadi começou a ser usada por milhões de pessoas, tornando-se o símbolo da independência indiana.

O governo britânico ficou furioso com a não-cooperação da Índia e, em 1919, durante o massacre de Amritsar, soldados britânicos mataram 379 inocentes, tendo ferido mais de um milhar.

Gandhi liderou então um hartal, ou greve nacional, que paralisou a Índia inteira. A campanha não-violenta baseada na teoria da satyagraha continuou, encorajada pelas palavras do próprio Gandhi:

A não-violência actua de forma contínua, silenciosa e incessante, até transformar o mal em bem.

Em 1922, os Britânicos prenderam Gandhi por pregar a não-violência, por desafiar a autoridade britânica e por escrever panfletos anti-governo. Esteve preso durante dois anos, mas o movimento da não-violência manteve-se forte.

O imperialismo britânico na Índia estava sob ameaça e Gandhi sentia-se feliz. Não achava que o facto de estar preso fosse uma tribulação; pelo contrário, via-o como um motivo de orgulho. Considerava que sofrer corajosamente por um ideal era a força motriz que transformaria cada homem e cada mulher da Índia em seres livres.

Em países quentes e tropicais como a Índia, o sal é uma parte essencial da alimentação das pessoas. A lei britânica proibia os Indianos de fazerem o seu próprio sal e obrigava-os a pagar um pesado imposto sobre este produto.

Em 1930, Gandhi liderou os seus compatriotas na chamada Marcha do Sal. Acompanhado por setenta e oito pessoas, empreendeu a caminhada de Sabarmati até Dandi, uma cidade costeira que ficava a mais de 200 quilómetros. Quando Gandhi chegou a Dandi e pegou num punhado de sal, num gesto simbólico de desafio do domínio britânico, as pessoas que o acompanhavam excediam já as centenas de milhar. O governo britânico foi forçado a reconhecer que estava a perder o controlo da Índia.

Depois de liderar a Marcha do Sal e outras iniciativas igualmente desafiadoras, Gandhi sentiu que o jugo imperialista sobre os seus compatriotas estava a diminuir de intensidade, o que, para ele, constituía um motivo de grande júbilo. Os seus seguidores deram-lhe o cognome de “Mahatma”, que significa “alma grande”.

Mas o governo britânico não desistia facilmente da Índia e Gandhi foi preso depois da Marcha do Sal. Decidiu então jejuar, a fim de pressionar as autoridades. Foi uma forma poderosa e não-violenta de ameaçar o governo. Como este não queria ser responsável pela morte de Gandhi, após seis dias de greve de fome, acordou em proteger os direitos cívicos dos “intocáveis”. Conseguir mudanças sociais através de meios pacíficos foi o grande contributo de Gandhi para a humanidade.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os indianos de religião hindu e os indianos de religião muçulmana travaram uma guerra civil motivada pelas suas diferenças religiosas e culturais. Massacres e actos de destruição devastaram o país inteiro.

Durante todo este período de grande anarquia e sofrimento, Gandhi percorreu, descalço, aldeias remotas que tinham sido destruídas e continuou a pregar a sua mensagem de não-violência.

A 12 de Agosto de 1947, a Índia conseguiu, finalmente, libertar-se do domínio britânico. Mas o país estava separado em duas partes: a sul ficava a Índia, de maioria hindu, liderada pelo Primeiro-Ministro Jawaharlal Nehru e, a norte, o Paquistão muçulmano, liderado pelo Governador-Geral do Paquistão e Presidente da Liga Muçulmana, Muhammad Ali Jinnah.

Gandhi não comemorou a independência da Índia. Encetou um período de jejum para lembrar a Hindus e Muçulmanos a importância da paciência, da compreensão e do perdão, face à intransigência. Ansiava que o seu povo vencesse o ódio através do amor.

Como o movimento da satyagraha conseguira vencer o domínio britânico, Gandhi confiava que ele pudesse também unificar as facções que agora dividiam a Índia. Mas tal unificação nunca viria a consumar-se.

Embora extremamente debilitado devido ao jejum, Gandhi, agora com 78 anos, continuou a dirigir-se aos seus seguidores. Como ensinava e professava a irmandade de todas as pessoas e religiões, era odiado pelos Hindus e Muçulmanos, que acreditavam que a sua própria religião era a única verdadeira.

No dia 30 de Janeiro de 1948, ao cair da tarde, quando Gandhi se dirigia para um encontro de oração, no qual era aguardado por milhares de pessoas, um Hindu, de nome Nathuram Godse, disparou sobre ele, atingindo-o mortalmente no coração. Gandhi caiu. As suas últimas palavras foram palavras de compaixão e amor:

Rama, rama, rama. (Perdoo-te, amo-te, abençoo-te.)

Foi cremado em Nova Deli. Milhões de pessoas, vindas de toda a Índia e de todos os cantos do mundo, choraram a perda deste extraordinário mensageiro da paz.

Quando morreu, Gandhi tinha poucos bens: duas colheres, duas panelas, três macacos, três livros, um relógio de bolso, um par de óculos, uma tigela de alumínio (recordação da prisão), um conjunto de secretária, dois pares de sandálias, e a sua khadi.

As suas cinzas foram misturadas com pétalas de rosa e espalhadas pela família na confluência dos três grandes rios indianos: o Ganges, o Jumna e o Sarasvati.

O Bhagavad-Gītā diz que sermos unos com o Senhor do Amor é o estado supremo de ventura. Se conseguirmos atingir esse estado, passaremos da morte à imortalidade. O amor ilimitado de Mahatma Gandhi pela humanidade guiou a sua vida, mudou a vida de milhões de pessoas, e tornou-o imortal.


Demi
Gandhi
New York, Margaret K. McElderry Books, 2001
Tradução e adaptação

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