sábado, 16 de junho de 2007

Passa-boné e belos bolinhos - Bénédicte Laferté

Todos os dias, às quatro horas, abre-se a porta da casa branca: é a hora do passeio do Leonel e da sua irmã Maria. Fecham a porta, atravessam o jardim e vão-se embora. O Leonel põe um boné que enterra até às orelhas e a Maria leva no braço um grande cesto. Caminham devagar, não estão com pressa. Quando passam por um vizinho, a Maria sorri e o Leonel tira o boné.
Às quatro e meia chegam diante da escola; toca a campainha, é a hora da saída. Quando vêem o Leonel, os rapazes largam as pastas e correm para ele.
— Passa, Leonel, passa! — gritam eles, empurrando-se uns aos outros.
Com um movimento da cabeça, o Leonel faz saltar o boné e atira-o aos garotos.
— Aqui, dá-me a mim o boné — grita o Joaquim.
Zum, o boné rodopia no ar. Cai no chão e quatro mãos se lançam para o apanhar.
— Apanhei-o — grita o Joaquim; e corre até ao caixote do lixo, deita-o lá para dentro e berra: – Golo!
Então o Leonel vai buscar o boné, sacode-o no joelho e finge que volta a pô-lo.
— Toma — grita ele de repente a um rapazinho — apanha.
E o boné lá volta a rodopiar no ar.
Os rapazes gostam muito do Leonel; inventou um jogo muito giro: o passa-boné!
Entretanto, a Maria sentou-se num banco e meteu a mão no cesto.
— O que é isto? — pergunta ela tirando um engraçado bolinho redondo.
— É uma argola de guardanapo — sugere a Gabriela.
— É um O — diz a Manuela.
Outra menina avança e grita:
— Não, isso conheço eu bem. É um zero, e eu cá como os zeros!
Agarra no bolinho e come-o de uma só vez. Do cesto a Maria tira ainda borboletas folhadas, broinhas em forma de lápis e ratinhos de chocolate. Os gulosos gostam muito dela; com a Maria o lanche é um encanto!
Ao voltarem para casa, o Leonel e a Maria vão às compras. Lá no bairro todos dizem:
— Como eles são amáveis e simpáticos!
Mas, quando chegam a casa, o Leonel e a Maria já não sorriem nem são nada delicados. O Leonel diz à Maria:
— Quando deixas de empanturrar os miúdos com os teus horríveis bolos cheios de açúcar? Vão ficar gordalhufos que nem conseguem correr!
E a Maria responde:
— Quando é que deixas de fazer de palhaço com o boné? Por tua causa a saída da escola parece um campo de batalha!
Ao jantar a discussão continua:
— Maria, este guisado não presta, parece comida do gato!
Furiosa, a Maria diz para o Leonel:
— Vou cortar o teu boné às rodelas para cozer com as batatas!
— Velha dos tachos! — grita o Leonel.
— Palhaço velho! — grita a Maria.
À noite, sobem a escada lentamente; estão muito cansados de terem passado o dia a discutir! O Leonel fecha a porta do quarto dele.
A Maria fecha a porta do quarto dela. Não se ouve mais nada.
Então, com muito cuidado, o Leonel abre as gavetas. Tira de lá belas taças de prata, jornais velhos e fotografias; são fotografias de uma equipa de futebol. O que está de cócoras com a bola é o Leonel. Então, o Leonel recorda os gritos e os “vivas” dos espectadores quando marcava um golo.
No seu quarto, a Maria também abre as gavetas. Tira grandes livros de cozinha e fotografias onde ela está diante de um grande fogão. Então a Maria recorda as pirâmides de bolos de creme e os noivos de açúcar que sabia fazer tão bem. Recorda também todas as pessoas que vinham felicitá-la. À noite, o Leonel sonha com a bola; a Maria só vê bolos.
O Leonel e a Maria vivem tristes no meio das suas recordações. Só gostam do passeio; o Leonel imagina que os rapazes são jogadores de futebol e a Maria olha os gulosos a devorarem os seus engraçados bolinhos.
Um dia, o Leonel e a Maria não estão na saída da escola.
— Se calhar estão doentes — diz o Joaquim.
E, com os outros meninos e meninas, vai bater à porta da casa branca.
O Leonel e a Maria estão lá dentro; afinal não estão doentes! Só que discutiram tanto que se esqueceram do passeio!
Ao vê-los, os meninos e meninas não dizem nada, ficam a olhar espantados.
Então a Maria vira-se para o Leonel: ele também faz uma cara esquisita.
“Que palermice”, pensa a Maria, “hoje não houve jogo de passa-boné”.
Ao mesmo tempo, o Leonel pensa:
“Que pena, não houve bolinhos para ninguém!”
Então, o Leonel corre para as crianças e agarra-lhes nas pastas.
— Vão depressa ter com a Maria, ela vai fazer-lhes biscoitos e caramelos.
— Vão antes para o jardim — diz a Maria.
— De certeza que não conhecem o passe de cabeça do Leonel!
Diante da porta, as crianças não se mexem; hesitam. Os jogadores de passa-boné pensam: “O passa-boné é óptimo, mas os biscoitos e os caramelos também não são nada maus!” E os gulosos pensam: “O lanche é bom, mas o passe de cabeça do Leonel deve ser formidável!”
A Gabriela pergunta timidamente:
— Não podemos fazer as duas coisas?
— Que bela ideia — exclama o Leonel. — Vá, todos lá para fora. Primeiro jogamos e depois lanchamos.
Depois pergunta baixinho à Maria:
— Vens connosco?
— Claro — responde a Maria. — Mas não me obriguem a correr como um coelho!
E todos os meninos e meninas jogaram ao passa-boné e comeram bolinhos engraçados. Depois foram-se embora.
O Leonel e a Maria fecharam a porta; estavam um bocadinho cansados de todo aquele barulho.
— Como a casa está calma – diz o Leonel.
— E como se está bem aqui — diz a Maria.
Nessa noite o Leonel e a Maria conversaram muito tempo. Quando o Leonel lhe contou os jogos de antigamente, a Maria disse-lhe com delicadeza:
— Estás a exagerar um bocadinho Leonel. Naquele dia não marcaste os dez golos sozinho!
Quando a Maria contou como fazia as pirâmides de bolos de creme, o Leonel disse-lhe:
— Achas mesmo que precisavas de um banco para pôr o último bolo lá no cimo?
O Leonel e a Maria olharam um para o outro e riram-se das suas recordações.
Nessa noite aconteceu-lhes uma coisa estranha: a Maria sonhou que fazia bolos mas que no cimo da pirâmide dos bolos de creme punha uma bola muito redondinha!
E o Leonel sonhou que jogava futebol; mas, quando correu para marcar um golo, foi num bolo de creme que deu o pontapé.
Ah! Que confusão vai nos sonhos da Maria e do Leonel!
Desde esse dia, todos os meninos e meninas vêm jogar e lanchar depois da escola. A Maria aplaude os jogos de passa-boné e o Leonel felicita a Maria pelos seus bolos tão bons. Quando chega a noite, o Leonel instala-se na poltrona e a Maria puxa a cadeira para perto do candeeiro. Estão os dois contentes; agora as recordações já não dormem dentro das gavetas; passeiam pela casa e misturam-se com os gritos das crianças.
Quando está a ficar tarde, o Leonel levanta-se e diz:
— Vamos, Maria, agora temos de ir dormir.
E sobem lentamente a escada e vão para a cama.

Bénédicte Laferté
Passa-boné e belos bolinhos
Lisboa, Editorial Caminho, 1991

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